segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O SACRIFÍCIO SUPREMO




    A triste e breve mensagem: “S. O. S”, “S. O. S”, era despachada a intervalos regulares pelo rádio-telegrafista de certo navio que, açoitado por furiosa tempestade, estava em iminente perigo de afundar-se entre as ondas do Atlântico, depois de haver enfrentado por longas horas um temporal violentíssimo.
    O casco do navio se achava ainda intacto, conquanto seus lúgubres e prolongados estalidos indicassem que em breve se produziria uma brecha capaz de fazê-lo soçobrar  dentro de alguns minutos. Tal era o temor do capitão, e daí  seus pedidos de socorro.
    - Todos aos botes! Prover-se de salva-vidas! Não há tempo a perder! Gritou de repente o primeiro piloto, subindo da casa das máquinas. Haviam-se realizado o temor do comandante da nave, e esta começava a adernar ligeiramente para  bombordo, ante o peso da água que entrava em torrentes por uma larga abertura.
    As ordens imperiosas do piloto deram lugar, na coberta, a um estado de confusão que parecia ir assumir proporções de tragédia. Os passageiros lutavam braço a braço com a tripulação, para serem os primeiros a chegar  aos botes, que começavam a ser desamarrados para estar prontos à primeira ordem de deitá-los na água.
    O capitão, provido de poderosa buzina, e secundado pelos dois pilotos, superou com sua voz os rugidos do mar e os estridentes sibilos do vento em desencadeada fúria:
    - Não façam confusão! Há lugar para todos! Passem calmamente a ocupar seu lugar! 
    De repente, uma gigantesca onda, como a desmentir o marinheiro, arrebatou dois dos botes salva-vidas que, meio desamarrados, não puderam resistir ao furioso embate do oceano embravecido, e se perderam em face da consternação de todos.
    Era simplesmente impossível que o total dos passageiros e tripulantes coubessem nos quatro que restavam! A perda era irreparável!
    - As mulheres e as crianças primeiro! Exclamou a voz forte do capitão.
    A ordem cumpriu-se imediatamente, e estas e aquelas, assim como alguns anciãos, começaram a ocupar as  pequenas embarcações em que se encontrava sua derradeira esperança. Vários vigorosos marinheiros, escolhidos pelos pilotos, tomaram os remos dos botes, que eram arreados um a um, repletos até ao máximo de sua capacidade com os atemorizados viajantes.
    A manobra realizava-se na maior ordem. Faziam-se despedidas desoladoras entre os que ficavam a bordo, condenados a uma morte inevitável, e os que lutariam com a tormenta  nos frágeis botezinhos. Algumas senhoras desmaiavam e eram carregadas em braços até os ditos botes. Os homens proviam-se de salva-vidas, si bem que de pouco lhes pudesse servir, dada a violência da agitação do mar. Restava apenas um bote por arrear.
    - Um momento o bote número seis! Um momento!
    A ordem do segundo piloto fez com que se detivesse a manobra, e o último barquinho permaneceu por uns instantes em seu lugar.
    - Duas mulheres mais! Há lugar para elas? Continuou o marinheiro.
    Após uma pausa, ouviu-se a voz do encarregado da embarcação salva-vidas:
    - Há lugar apenas para uma!
Venha depressa!
    E então foi testemunha uma cena que se desenrolou em menos tempo do que é necessário para contá-la. Uma senhora de seus quarenta anos, pálida e trêmula, mas com decisão inquebrantável e com a suprema força emprestada pelo desespero, colocou no bote uma jovenzinha que, incapaz de articular palavra, e meio desfalecida, caiu nos braços dos passageiros, ficando o mesmo cheio a mais não poder.
    - Tu, minha filha! Salva-te tu, minha filha! Foi a única despedida que a pobre mãe pôde articular.
    E antes que a mocinha houvesse reagido o suficiente para responder a sua mãe, a ligeira navezinha se achava em meio da espuma do oceano que rugia em redor, como reclamando as presas que lhe escapavam... Uns segundos mais, e já se havia alongado do casco do navio, que cada vez mais se inclinava para bombordo, afundando rapidamente.
    Poucos minutos depois, um enorme redemoinho assinalava o lugar da nave engolida pelo mar.
    Consumara-se o sacrifício supremo de uma mãe!
    O nome do navio e data do acontecimento baniram-se-me da memória; mas oxalá permaneça na tua, prezado leitor, este exemplo do que é capaz de fazer uma mãe, movida pelo puríssimo amor que o Eterno lhe gravou no coração.
    Recorda também a ordem celestial: “Honra a teu pai e a tua mãe, que é o primeiro mandamento com promessa”.


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