Era um fim de
verão, faz muitos, muitos anos, na América do Norte. Fazia meses que não
chovia, e o sol castigava a terra sem piedade, de maneira a secar os córregos e
riachos, ficando só os rios de maior volume d’água.
Um jovem
alto, esbelto, chamado Daniel Wilson, trabalhava perto de seu rancho,
localizado numa curva em que os campos se
encontravam com a imensa floresta. Era o único homem branco, muitas e
muitas léguas separado dos demais, e a esposa dele era a única mulher branca naquele
lugar.
Por um
trilho que vinha da floresta para o campo, apareceu um indígena de estatura
elevada e de aspecto nobre. Porém andava como que cansado, movimentando-se
irregularmente, e em seu rosto se observavam traços de doença e de quem estava
muito sedento. Ao se aproximar do rancho, hesitou, por um momento, e depois se
aproximou do homem branco.
“Estou
muito sedento; pode fazer o favor de me
dar água para beber”, disse ele.
“Vá
embora”, foi a áspera resposta. “Não dou coisa alguma a indígenas”.
A
descortês e violenta atitude do homem branco feriu profundamente o orgulho do selvícola, mas, como estava para
morrer de sede, mesmo em desespero, suplicou de novo: “Não posso mais andar.
Tenha a bondade de me arranjar água para beber!”.
“Desapareça daqui! Não quero conversa com bugres”, foi à resposta, ainda
mais violenta do que a primeira.
O
indígena, o exausto pele vermelha, pouco a pouco se foi virando, para partir,
mas seus olhos demonstravam o desejo intenso de vingança. Vagarosamente seguiu
pela estrada do campo, até penetrar na mata densa, em direção de sua aldeia.
A jovem
esposa do homem branco tinha ouvido a súplica insistente do homem das selvas,
assim como a cruel recusa do marido. Ficara comovida e confusa. Quando o índio
se retirava lentamente, sem poder andar direito, ela foi observá-lo da janela.
Quando o trilho por que andava descia, para se encobrir mato adentro, a mulher
viu o caboclo parar, trêmulo, cambaleante, e cair estendido no chão.
De repente
apanhou um vaso d’água, um bule de leite e um bom pedaço de pão e, como o
marido estivesse do lado oposto, saiu sem ser vista para acudir aquele pobre
índio. Temia que estivesse morto. Chegando lá, porém, ao local, verificou que
ele havia desfalecido em conseqüência da exaustão e da sede. Com a água fresca
que levara e com palavras de simpatia, conseguiu fazê-lo voltar a si. Deu-lhe
de beber e alimentou-o. Pediu, então, que não levasse em conta as palavras
grosseiras do marido. Refeito, dentro de pouco tempo estava ele em condição de
continuar a viagem. Antes, porém, de partir, tirou uma das penas brancas que
trazia na cabeça e entregou-a, dizendo:
“Minha
bondosa senhora, receba esta pena. Quando seu marido estiver caçando, peça-lhe
para usá-la, para que possa escapar com vida. Eu havia planejado voltar e
matá-lo. Por sua causa, no entanto, não farei isto. Se ele cair nas mãos de
outros de minha tribo, só escapará se estiver com esta pena”.
Ao
concluir estas palavras, com um porte elegante seguiu pelo restinho do trilho e
desapareceu na vastidão da floresta.
Passaram-se três anos. Outros colonos se estabeleceram naquele mesmo
distrito. Perto do fim do inverno, quando a alimentação estava ficando bastante
escassa, os homens se organizaram e saíram num grupo para caçar. Antes de
saírem, a esposa do homem que havia sido muito, muito grosseiro para com a pele
vermelha, três anos atrás, pediu-lhe que usasse a pena branca do índio na
lapela de seu paletó, repetindo-lhe as palavras do selvícola quando o fora
socorrer. O marido riu-se, zombando da preocupação e do medo da esposa, e não
queria usar a pena. Por fim, dada a insistência da mulher e para satisfazê-la,
pregou-a no paletó e saiu.
As caças
estavam raríssimas. Não aparecia o que matar. Andaram e andaram, mato adentro,
mais longe do que haviam imaginado. O sol descambava no poente. Todos estavam
procurando matar um lindo veado, tomando posição aqui e ali, correndo para mais
adiante, sem se darem conta do tempo que corria também. Daniel Wilson ficara
atrás dos companheiros, procurando endireitar os sapatos que o estavam
maltratando bastante.
Quando
ficou pronto, já estava escurecendo a noite. Apressou-se, correndo e buscando
ver que direção haviam tomado os outros. As trevas, mo meio da floresta, não
permitiam mais que visse as saídas. Era difícil andar. Estava perdido. Pensou
que poderia ouvir os companheiros: assobiou, gritou, e nada. Pelejou e pelejou,
até se convencer de que não havia outra coisa a fazer, a não ser permanecer a
noite inteira na floresta e aguardar o amanhecer do dia.
Nisto,
percebeu como que vultos erguerem-se ao seu redor. Poucos momentos, e estava
ele nas mãos de um grupo de índios que
pareciam selvagens. Amarraram-lhe as mãos e fizeram com que ele andasse á sua
frente. Cansado, mas obrigado a caminhar mais e mais, horas e horas. Depois,
todos de novo a caminho.
No dia
seguinte chegaram à aldeia, na floresta,
perto de um lago. Cabanas altas e de topo pontiagudo, mulheres e crianças,
fumaça de fogo de cozinha, tudo indicava ser de grande importância àquela taba.
O aflito
homem branco foi levado a uma cabana desocupada, ficando lá sob a guarda de
dois bravos jovens. Era já tarde. O sol descia no ocaso. Ouvem-se rumores entre
os selvícolas. Chega outro grupo de guerreiros, com o chefe à frente, um homem
alto, de boa aparência, trazendo suas penas e com as pinturas que usam na
guerra.
Contaram-lhe da captura do homem branco e ele foi vê-lo. Logo que viu a
pena branca, reconheceu o cativo, o homem que, anos atrás, se havia negado de
socorrê-lo, mal-tratando-o sem piedade.
“É muito feliz em estar usando a pena”,
disse o chefe indígena. “Se não fosse isto, você seria morto esta noite. Por
causa de sua esposa, que me tratou com bondade, prometi poupá-lo quando caísse
em meu poder. Por que os homens brancos não são bondosos para com os irmãos de
pele -vermelha? Os pele-vermelha só matam os brancos quando se vingam de
qualquer crueldade de que foram vítimas.
“Agora
irei levá-lo de volta a sua casa. Eu mesmo vou acompanhá-lo. Primeiro, porém,
você precisa comer e descansar”.
Ao se
retirar o chefe, dois jovens trouxeram-lhe comida e uma pele sobre que se
deitar, para passar bem o resto da noite. E, cumprindo a promessa, de manhã,
bem cedinho, aquele valoroso chefe indígena veio e saiu com o homem branco.
Caminharam léguas e léguas, através da floresta, até chegarem ao ponto em que a
mata termina e começa o campo. Nesta longa viagem, Daniel Wilson aprendeu a
respeitar e a admirar o homem cuja honra
salvou o inimigo cativo, em seu poder.
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