Uma carteira de senhora no banco do bonde! Foi a
descoberta que Henrique fez no momento em que o bonde arrancava, depois de uma
parada. Henrique vira à senhora que acabava de descer. Tinha-a visto no bonde e
lembra-se de que essa era a carteira que ela levava.
Imediatamente tocou a campainha. Desceria na primeira esquina. Era o que
de melhor poderia fazer. Precisava encontrar a dona da carteira. Voltou
depressa à esquina onde a senhora havia descido e encaminhou-se para o lado
onde ele a vira seguir. Correu vários quarteirões, olhando à direita e à
esquerda, em cada esquina que chegava, para ver se a via. De repente percebeu
que assim nada faria. Parou um pouco para pensar e nesse momento encontrou um
de seus amigos, um jovem mais ou menos de sua idade.
- Parece
que você andou correndo – disse Jaime. – Está muito agitado. Que aconteceu?
Henrique
contou rapidamente a história da carteira e explicou que não sabia como
entregá-la à dona.
- Suponho
que pertence a alguma senhora rica – disse Jaime rindo – e você espera receber
uma gratificação. Bem poderia ficar com a carteira. Você não receberá mais do
que ela vale e contém. E isso de querer encontrar uma pessoa de quem não sabe o
nome, é como procurar agulha em palheiro.
- Não me
parece que a dona seja rica, disse Henrique, e, portanto não faço isso visando
uma recompensa. Ela vestia-se bem, porém suas roupas não pareciam ser de muito
preço. Quanto a encontrá-la, creio que você tem razão. Mas, quem sabe, se eu
olhasse dentro da carteira encontraria o nome e o endereço.
- Como me
haveria de rir se nela estivessem apenas alguns níqueis! Isso sim seria uma boa
peça, depois de tanta correria...
- Oh! Isso
não teria importância alguma, replicou Henrique. Não é a quantia de dinheiro
que haja dentro o que me preocupa, mas sim a sua devolução. Você sabe que,
segundo dizem, os grandes ladrões começaram com pequenas desonestidades. Tenho
certeza de que todos os que acabam roubando automóveis ou grande soma de
dinheiro, começaram roubando apenas alguns níqueis.
- Nunca
pensei nisso – disse Jaime. Mas acho que você tem razão. Muitos começam até por
uma fruta ou umas balas. Já tenho visto tanta gente fazer isso e não dar a
mínima importância ao caso! Essas coisas, porém, não lhes pertencem e mais
tarde, como você já o disse, farão roubos mais vultuosos.
- Voltando
ao assunto da carteira, vejamos o que ela contém.
Henrique
abriu a carteira e exclamou:
- Oh! Aqui
está um cartão!
Diz: “Sra. H. Lemos, ao cuidado do Dr. D. Lemos. É
uma pessoa de muita influência. Tinha uma
expressão muito agradável, mas não era diferente de qualquer outra
senhora”.
- Talvez,
no final você acabe recebendo mesmo uma
gratificação – disse rindo Jaime.
-
Talvez..., Respondeu Henrique; mas eu não estava pensando nisso.
- Já sei –
replicou Jaime. – Já sei. Sei que é honrado. Sei que você não pensava na
recompensa, mas dava o primeiro lugar às coisas que vêm em primeiro lugar.
Antes de tudo você quis devolver a carteira.
Ao
olharem um pouco mais, viram que havia alguns cheques de banco. Não os
contaram. Fecharam depressa a carteira, depois de descobrirem o endereço da
Sra. Lemos.
- Devo ir
bem depressa à casa do Dr. Lemos a fim de encontrar sua mãe e entregar-lhe a
carteira. Já passei pela casa dela, mas não a vi porque mora na terceira casa
depois da esquina e já havia entrado quando lá cheguei. Quer vir comigo, Jaime?
- Não.
Preciso voltar para casa. Foi você quem achou a carteira. Não tenho parte nesse
assunto. Sinto-me orgulhoso em ser seu amigo. Creio que amanhã a notícia sairá
nos jornais.
Henrique
não demorou muito para chegar à casa do Dr. Lemos. Que diria? Não teve, porém,
de esperar muito. Perguntou simplesmente se a Sra. Lemos morava ali. Fizeram-no
passar por uma sala onde a mãe do doutor estava sentada junto ao telefone.
Já havia mandado, pelo telefone, um anúncio para o
diário e telefonara para a companhia de bondes
para que revistassem o carro em que viajara, quando chegasse ao extremo
da linha.
- Acho que
tudo será em vão, pensou ela. O mais
provável é que alguém a encontrou e quem quer que seja que a tenha achado
poderá aproveitar bem a quantia de dinheiro que continha.
Nem sequer
ergueu a cabeça para ver quem estava entrando. Henrique se deteve e disse:
- A
senhora conhece esta carteira?
Sua
tristeza tornou-se alegria. Henrique nunca soubera quanto prazer podia infundir
num momento.
- Oh!
Minha carteira! Sim, conheço-a, mas até me parece mentira. Pensei que jamais a
tornaria a ver. E aqui estão também os meus cheques. Nunca poderei
recompensá-lo bastante por isso. Dar-lhe-ei dinheiro, mas quero que saiba que
aprecio muito um rapaz honrado. São muito poucos. Sente-se. Quero conversar com
você antes que se retire. Quero saber seu nome e seu endereço. Ah! Seu nome é
Henrique Martins e mora na Rua do Comércio, 496! Muito bem! Quero que me conte
como encontrou minha carteira, e porque correu tanto para me encontrar quando
podia ter ficado com ela, como faria a maior parte dos meninos de sua idade.
Ah! Sim. Seus pais o ensinaram a não guardar qualquer coisa que não fosse sua,
não é?
O rapaz
anuiu com a cabeça.
- Sim.
Lembro-me de quando era bem pequeno, uma vez brincara com um menino vizinho de
casa, e levara para casa umas lindas bolinhas que lhe pertenciam. Ele possuía
muitas e nem sequer daria pela falta daquelas. Ao chegar a casa, mamãe me
perguntou onde as conseguira. Quando lhe disse que Benjamim tinha muitas e que
aquelas não lhe fariam falta, falou-me do mal que eu acabara de fazer. Que
pensa a senhora que minha mãe disse? Lembro-me de suas palavras, como se ela as
houvesse dito hoje:
“- Filho,
essas bolinhas não são tuas e não podes guardá-las. Eu irei contigo à casa de
Benjamim e lhe devolveremos as bolinhas, dizendo que nunca mais tomarás alguma
coisa que não te pertence”.
“Muito me
custava fazer isso, mas minha mãe insistiu em que eu os fizesse. Quando disse a
Benjamim e a sua mãe quanto lamentava ter feito isso, sua mãe me olhou sorrindo
e isso me animou. Disse ela a minha mãe que poderia ficar com as bolinhas, pois
Benjamim possuía muitas. Minha mãe, porém, insistiu em não aceitá-las por eu as
ter levado sem permissão. Não ouvi muito mais o que minha mãe e a de Benjamim
falaram, porque comecei a brincar com meu companheiro, mas escutei esta frase
de mamãe:
“- Quero
que meu filho seja sempre honrado e nunca tome alguma coisa que não lhe
pertença”.
- Agora
compreendo esse seu gesto, disse a Sra. Lemos. Um jovem cuja mãe proporciona
tais lições, nunca verá o cárcere. Muito bem, meu filho. Viva sempre de acordo
com esses ensinos e nunca se perderá.
Depois de
curto silêncio, Henrique disse que sua mãe o esperava. Acrescentou ainda que
seu pai fora sempre muito escrupuloso em todos os negócios.
- Aqui
estão duzentos cruzeiros pelo trabalho que teve em me procurar. Quero que venha
sempre me visitar depois de sair da escola. Você trabalha?
- Faço
trabalhinhos aqui e ali, quando os consigo, porque são tantos os meninos da
vizinhança que procuram trabalho que não quero ser egoísta, pois muitos deles
necessitam trabalhar tanto quanto eu. Seria uma felicidade arranjar um trabalho
fixo durante as férias. Mas preciso ir. Quero agradecer muito por este
dinheiro. Nunca tive tanto!
Nesse dia,
quando o Dr. Lemos voltou para casa, sua esposa e sua mãe lhe contaram do
jovenzinho que havia devolvido a carteira. O doutor guardou silêncio por um
instante, dizendo depois:
- Estão
precisando de um rapaz de confiança na farmácia que fica em baixo do meu
consultório. Terá uma oportunidade para subir, e poderá também trabalhar
durante à tarde quando começarem as aulas.
Tomou o
telefone para falar com o farmacêutico. Depois de explicar porque se interessava
por aquele rapaz em particular, o farmacêutico respondeu:
- Diga-lhe
que se apresente para o trabalho amanhã de manhã.
Os anos
que se seguiram demonstraram que Henrique e a farmácia eram inseparáveis,
porque Henrique era fiel nas mínimas coisas. Podia-se ter nele toda confiança e
seu patrão mostrava tê-la.
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