Era um
rapaz que tinha apenas catorze anos. Ocupava-se em entregar frutas a um grande
armazém de uma pequena cidade.
Quanto
devo a você? Perguntou o comerciante ao
rapazinho, ao terminar este de descarregar as frutas. Não me parece que já seja
homem para dizer-me quanto devo.
- Sim,
posso, posso dizer – replicou o jovem, prontamente. Logo se pôs a consultar as
anotações que fizera em sua caderneta. Tornou a verificá-las, para estar certo
de que não se havia enganado na soma. Disse, depois:
- A conta
é vinte mil réis.
- Dez mil
réis, não são? Disse o comerciante, procurando experimentar o rapazinho.
Depois de
passar as cifras pelas engrenagens metálicas, voltou:
- Você tem
razão, rapaz; são vinte mil réis mesmo. Diga-me: que idade tem você?
Respondida
a pergunta, volveu o negociante:
-Você é
quase um homem. Só falta uma coisa – é um bom trago de pinga. Não pagarei a
você sem que o beba. Venha cá, comigo.
- Eu não
bebo! Respondeu apressadamente o jovem.
- Mas
beberá desta vez! Gritou o homem, pegando o rapaz e arrastando-o para o lugar
das bebidas.
Sem
dúvida, o comerciante estava embriagado, senão não faria isso.
O pequeno
esbracejava desesperadamente e olhava com ansiedade para todos os lados, ao ser
arrastado para o bar. Notou então, na mesa, várias garrafas de gasolina.
Passou-lhe, aí, uma idéia pela mente.
- Que quer
que sirva? Perguntou ao chefe o que atendia ao balcão.
- Dê-me um
trago de pinga forte, disse o comerciante.
- E para
mim, um copo de gasosa, pediu o jovem.
O homem
bebeu rapidamente seu trago, e em seguida tomou um copo dágua, para tirar o gosto
forte da boca. Olhou para o rapazinho, e viu que estava tomando soda, e não
pinga.
- Ah! Você
não vai se escapar assim, não! Grunhiu irado, o borracho. Você vai beber um
trago de pinga.
Pegando
novamente do garoto, gritou ao caixeiro que trouxesse mais pinga e o ajudasse a
fazer aquele “malandro” beber. Como era ligeiro e forte, o rapazinho conseguiu
derrubar o borracho, e estava para fugir quando o caixeiro do bar o segurou por
trás. Pegando-o pelas costas e com a ajuda de seu patrão embriagado, procurava
introduzir-lhe entre os lábios um copo de bebida.
A uma mesa
no canto do salão estavam três homens jogando. Um deles, de aspecto bastante
rude, alto e forte, com os cabelos em desalinho e com tabaco a escorrer dos
cantos da boca, parou de jogar para presenciar a cena. Viu que aqueles dois
homens estavam maltratando um menor de catorze anos, e começou a refletir.
Acendeu-se em seu íntimo, então uma fagulha de virilidade e sentimento de
justiça.
Imediatamente, duas mãos fortes pegaram o caixeiro por trás e o lançaram
pesadamente ao solo. Quando o comerciante se endireitou, assustado, o homem
segurou-o também, arrastou-o até à porta da rua e o jogou fortemente na
calçada, dizendo-lhe que voltasse para o armazém e ali ficasse até aprender a ser
homem. Enquanto isso, o rapazinho fugia apressadamente e tomava seu carro.
Como
tivesse medo de voltar ao armazém para receber o dinheiro que lhes devia,
entregou o resto da carga a outras casas comerciais, e horas depois se
aproximaram, cautelosamente, daquele lugar. Vendo que o patrão não estava,
dirigiu-se rapidamente ao caixa, apresentou sua conta e recebeu a importância.
Mas ao sair encontrou o chefe, que estava na porta da rua.
- Venha
cá, diz o comerciante, um tanto calmo, quero: conversar com você um instante.
Vendo que
sua atitude parecia ser mais amistosa e de respeito, o rapazinho atendeu. Foi
com ele, a seu convite, até ao escritório.
- Você é
um homem, um verdadeiro homem, diz o comerciante. É o primeiro rapaz que vejo
passar por uma prova como esta sem beber coisa alguma. Você é um jovem de fibra. E disse mais, ao
rapazinho, que ia sair em férias, mas que ele podia continuar trazendo suas
mercadorias, todas as semanas.
- Não
traga menos do que você tem trazido, até eu voltar. Apresente-me então a conta
e pagarei a você. Confio no que me disser.
Semanas depois, ao regressar o comerciante, cumpriu
sua palavra, pagando tudo que o jovem disse que ele lhe devia. Logo terminaram
as férias e o rapazinho tinha de voltar para o ginásio. Foi despedir-se de seu freguês, comunicando-lhe
que ia continuar os estudos e passar para um ano mais adiantado.
- Deixe os
estudos, diz-lhe o comerciante. Preciso de um jovem honesto como você, que
tenha bastante caráter para ficar firme no que é direito. Quero que trabalhe
comigo.
E o homem fez o oferecimento de bom
ordenado e muitas vantagens. Mas isso de nada valeu. O jovem, que tinha firmeza de propósito para
não beber pinga, custasse o que custasse, também possuía fibra para não se iludir
com aqueles oferecimentos e abandonar seus estudos.
Esse rapaz é agora homem feito, e leciona
num conhecido estabelecimento de ensino.
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