Ao
iniciarem Tomaz e Jorge seus estudos universitários, fizeram-no com o objetivo
de alcançar não só um título, mas também o preparo necessário para se
destacarem na vida como profissionais. Os anos passados nas aulas da Faculdade
de Direito foram de árduo estudo, e às vezes se lhes afiguraram intermináveis,
mas chegaram ao fim como todas as coisas desta vida.
Ao receber
o diploma, verificaram que as condições econômicas, em geral, haviam-se modificado muito desde o momento em que
iniciaram sua carreira, aguda crise abalava o mundo, e não lhes foi possível
instalar-se como advogados. Que fazer nessas circunstâncias? Ambos eram jovens
resolutos, pelo que não se intimidaram. Resolveram procurar emprego, embora não
fosse no desempenho de sua profissão.
No porto
em que viviam, estava instalado um grande estaleiro. Em suas oficinas e
escritórios trabalhavam vários milhares de empregados, pelo que decidiram
solicitar trabalho ao gerente dessa poderosa instituição.
Tomaz foi
o primeiro a apresentar-se com seu flamante título em baixo do braço.
- Em que
pode ocupar-se? Perguntou-lhe cortesmente o diretor da empresa, depois de
lançar um olhar ao diploma do solicitante.
- Como o
senhor compreenderá, não posso submeter-me a ser simples empregado. De acordo
com meus conhecimentos, solicito um cargo de certa responsabilidade, com
remuneração equivalente.
- Muito
bem, jovem. Deixe-me seu endereço e,
quando se apresentar à oportunidade em que haja uma vaga para um cargo de “responsabilidade”,
pensaremos no senhor, respondeu-lhe o gerente, com certa ironia.
Claro está
que essa oportunidade nunca chegou.
Jorge
apresentou-se algumas horas, no mesmo escritório. Não levava consigo o título
de advogado. Tinha apenas a determinação de começar a trabalhar de qualquer
maneira honesta e de fazer-se conhecer em seu trabalho.
- Que é
capaz de fazer, jovem? Interrogou-o gerente que se advertira da capacidade
intelectual de Jorge, por suas palavras de introdução.
- Posso
fazer qualquer coisa, senhor. Para começar, satisfar-me-ia qualquer ocupação.
O diretor
tocou uma campainha.
- Tem
alguma vaga para este jovem? Perguntou, segundos depois, ao chefe de uma seção
do estaleiro, que se apresentou ao seu chamado.
- Sim,
precisamente, necessitamos de alguém que se encarregue da limpeza do
departamento das máquinas.
E o
formado da universidade começou essa humilde tarefa no dia seguinte.
Depois de
três meses, o gerente chamou o chefe da seção em que Jorge trabalhava.
- Como vai
Jorge? Perguntou-lhe.
- Muito
bem. Demonstra tal dedicação ao trabalho, que o departamento de máquinas está
sempre reluzindo. Parece incrível que um advogado tenha tão boa vontade para
trabalho tão humilde.
O Sr.
Silveira, tal era o nome do diretor do estabelecimento, sorriu enigmaticamente
e limitou-se a dizer:
- Está
bem, pode retirar-se.
Outros
três meses se passaram e, depois de ter pedido algumas informações quanto à
conduta do jovem advogado, mandou-o chamar ao escritório.
- Nesta
empresa, principiou, temos por norma experimentar por seis meses os novos
empregados. Durante esse tempo, pagamos-lhes o ordenado fixo de Cr$ 300,00
mensais, importância essa que o senhor
tem recebido até agora. Mas isso não é
o mais importante, prosseguiu. O que nos interessa principalmente, nesse
período, é a conduta, a fidelidade e dedicação ao trabalho do que se acha à
prova. Ora, como a esse comportamento se unem ainda suas aptidões intelectuais,
seus conhecimentos gerais e preparo universitário... Uma tossezinha interrompeu as palavras do gerente. Mudando
de assunto, dir-lhe-ei que meu secretário particular foi ocupar um posto de
maior responsabilidade no estrangeiro e preciso de alguém que tome esse
importante lugar. Que o senhor, Dr. Jorge – e o diretor fez ressaltar o título
– considerar a possibilidade de ser seu sucessor? De minha parte estou
convencido de que o senhor é a pessoa mais indicada. Informo-lhe ainda que os
vencimentos são de Cr$ 3.500,00 mensais.
O doutor,
que momentos antes estivera a trabalhar de escova na mão, não respondeu
imediatamente. Oprimia-o profunda emoção. Por fim, com uma voz que ele mesmo
estranhou, respondeu:
-
Agradecido, Sr. Silveira, que outra coisa poderia desejar?
Ao cabo de
cinco anos, era Jorge o braço direito da empresa. E, ao passo que ocupava um
cargo de muito maior responsabilidade que o de secretário particular do gerente
e que seu ordenado se escrevia com várias cifras... Seu companheiro Tomaz
escondera o título no fundo de um velho baú, onde guardava muitos “trastes”
inúteis e, premido pela crise, lavava automóveis numa garage.
Vale a
pena dizer: “Posso fazer qualquer coisa...”. E fazê-la.
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